On returning (3) + Aleatoriedades a granel #4
Retorno + redes sociais + Paul Auster + Justin Chearno + Fritz Lang
Olá a todos.
É, mais meses sem mandar uma carta para vocês, seguidores/assinantes. O grande dilema de ter várias ideias pululando na cabeça versus a completa incompetência em levar tais ideias para a realização. Organização é meu ponto fraco, e, a essa altura do campeonato, sinto que preciso admitir mais em minha cabeça a realidade de ser alguém que funciona melhor na base da pressão (minha ou dos outros) do que na base da proatividade (nunca vou fazer as pazes com essa palavra, aliás).
Ou seja: é preciso admitir que É BEM POSSÍVEL que estas cartas cheguem a você em intervalos erráticos. Pode ser que eu exploda de criatividade e mande dois posts na mesma semana; pode ser que demore mais quatro meses até reaparecer aqui. Essas coisas acontecem, e precisam de uma única dedicação - a minha - para que este espaço engrene.
Além do mais, os últimos meses foram complicados em se tratando de saúde: uma recaída em um episódio depressivo no mês de julho, que no início de agosto levou ao combo “intoxicação alimentar + gastroenterite aguda”. Garanto pra vocês: é uma das piores coisas que fazem com que seu corpo fique combalido. E na sequência ainda teve uma crise de sinusite.
Mas agora estou melhor de saúde e um tiquinho assim mais disposto. E é assim que abrimos esta nova carta.
Enquanto escrevo esta carta, o bilionário safado resolveu arrumar briga com todas as autoridades brasileiras e, por isso, o Twitter (que se dane se é X, aqui é Twitter) está bloqueado no Brasil. Por isso, grande parte das contas migraram para o BlueSky.
Não sou otimista em relação ao BlueSky: afinal, a estrutura algorítmica do site faz lembrar a do Twitter, e mais cedo ou mais tarde, a “enshittification” vai atingir a plataforma lá. Por outro lado, é bom estar longe de anúncios de bots e jogos de tigrinho no meio das timelines, é bom estar em um espaço onde há menos recursos e onde temos que improvisar e ser criativos para nos comunicar. Além disso, espero estar menos dependente das timelines infinitas do BlueSky. Todos nós precisamos.
Por isso, caso queiram me encontrar lá na rede do céu azul, sigam: https://bsky.app/profile/mateussb.bsky.social
E também estou no Instagram, onde posto pouco, mas vejo stories todos os dias, pelo menos: https://www.instagram.com/msb1693/
Vamos às “Aleatoriedades a Granel” desta carta? A regra é simples: 1 livro + 1 disco + 1 filme + 3 comentários, um para cada livro, disco e filme.
Um livro - A Trilogia de Nova York, de Paul Auster
Às vezes, lamento ler a minha primeira obra de um autor apenas após sua morte. Afinal, com o autor vivo, ainda há aquela expectativa que criamos em relação à próxima obra, a sensação de que estamos acompanhando com nossos próprios sentidos um corpo criativo ainda não completo, a impressão de que somos prestigiados em estar vivendo na mesma época que o autor, entre outras coisas.
Claro que, em se tratando de um autor como Paul Auster, que publicou muitos trabalhos em sua carreira, para um viajante tardio como eu são grandes as chances de se surpreender novamente com mais um entre suas mais de duas dezenas de livros. Ainda assim, demorei a começar a ler o autor, e quando comecei, ele já não estava mais entre nós, mortais.
Toda essa introdução para dizer que A Trilogia de Nova York é um livro espetacular, mesmo, e uma pena que demorei tanto para ler. A grande sacada do Auster aqui é pegar a literatura policial, uma literatura que, imagino eu, na época em que o autor lançou as três novelas que compõem o livro - meados dos anos 1980 - já tinha virado um conjunto de clichês manjados, e trazer novamente o frescor e a inventividade que há nos romances de Raymond Chandler, Dashiell Hammett, James M. Cain, Elisabeth Sanxay Holding, Georges Simenon etc, ao mesmo tempo que a coloca ao lado de divagações literárias e filosófico-existencialistas, e reunindo tudo para transformar em… linguagem. A literatura policial é linguagem, o ensaio literário é linguagem, a filosofia é linguagem.
É linguagem, e ao mesmo tempo uma literatura de grande imersão nos mistérios que enredam cada um dos investigadores que protagonizam as novelas. Uma das melhores leituras do ano, e já adquiri O Livro das Ilusões como próximo do Auster em minha fila.
Um disco - A New Machine for Living, do Turing Machine
Outro falecimento recente foi o de Justin Chearno, guitarrista nova-iorquino que foi bastante atuante em bandas como Pitchblende, Doldrums e Turing Machine. Um nome desconhecido de nós, brasileiros, e, acredito, de muita gente dos EUA, porque nunca teve uma máquina publicitária por trás para promover cada gravação que fazia. No fim das contas, isso é bom, pois o que fica é a música que Chearno e seus amigos tocaram.
O primeiro álbum do Turing Machine, A New Machine for Living, lançado em 2000 pelo selo Jade Tree, é uma apresentação excelente à discografia de Chearno. Tentando descrever a música que ouvimos aqui, digo que ela está próxima do que bandas como Tortoise, Don Caballero, US Maple e Polvo estavam fazendo na época. Mas há uma empolgação especial em ouvir as possibilidades que cada faixa nos levam.
Sem contar que eu tenho um fraco por discos com títulos de músicas como Flip-Book Oscilloscope e (Got My) Rock Pants On. Enfim, um disco bastante subestimado e ainda fascinante para ser ouvido e reouvido.
Um filme (na verdade, três) - Clash by Night / While the City Sleeps / Beyond a Reasonable Doubt, todos dirigidos por Fritz Lang
Eu vi While the City Sleeps e Beyond a Reasonable Doubt pela primeira vez num mesmo dia, dez anos atrás, ambos em cópias excelentes em 35mm, no CCBB-SP, penúltimo dia de uma retrospectiva integral dos filmes de Fritz Lang. Um dos meus momentos formativos como alguém que gosta de cinema.
Revi os dois filmes semana passada, e continuam obras-primas absolutas, talvez os meus favoritos do Lang. Estes são os dois últimos filmes que Lang fez nos Estados Unidos, em um sistema de produção bastante distante das superproduções que ele fez na Alemanha nos anos 1920. Mas a evidência de que um autor é um autor é quando ele consegue comunicar ao espectador seus dois ou três temas nas mais díspares condições, seja com dezenas ou com um milhão de orçamento disponível.
Lang foi o cineasta que trouxe à luz a complexidade do ser humano, em como ele pode abrigar a bondade e a mesquinhez ao mesmo tempo - o bem e o mal. Uma visão que tornou-se progressivamente pessimista depois do final da II Guerra Mundial, e que se manifesta com uma clareza que pouquíssimos conseguiram atingir em seus anos finais nos Estados Unidos. While the City Sleeps são cem minutos de pessoas com pouca ou nenhuma moral digladiando-se para chegar ao topo de um império das comunicações; Beyond a Reasonable Doubt é um conto avassalador sobre culpa e inocência.
Anos antes, Lang fez Clash by Night, talvez o melodrama mais tenso e assombroso que já vi. Uma história sobre pessoas em um mundo violento, com diferentes graus de ingenuidade e malícia, fracassando nos objetivos de serem as pessoas que idealmente querem ser. Além de tudo isso, o filme é mais uma evidência de que Barbara Stanwyck foi, e é, a maior das atrizes.
É isto por hoje, pessoal. Espero que tenham gostado desta carta. Espero aparecer com mais frequência a partir dos próximos dias.
Tomem muita água, não comam alimentos estragados, lavem suas narinas com soro fisiológico, e descansem (na medida do possível).
Abraço!